Queda de produção devido às mudanças climáticas e Renovabio estimulam busca por segurança hídrica e ampliação na geração de bioenergia.
Dois importantes temas passaram a frequentar as pautas das reuniões das diretorias das grandes usinas brasileiras de açúcar e de etanol: a queda da produtividade ocasionada pelo aumento da intensidade e maior frequência de eventos climáticos, como a seca, e o uso dos resíduos da produção, como vinhaça e torta de filtro, para a produção de biogás, em vez do direcionamento ao campo.
Para o economista Mário Ferreira Campos Filho, presidente do Fórum Nacional Sucroenergético e da Câmara Setorial do Açúcar e do Álcool, não há mais como ignorar essas duas questões. “Não se pode conviver com perdas de até 25% na produtividade, como ocorreu recentemente devido à seca, nem desconsiderar as boas possibilidades econômicas que o Renovabio abre para a geração de energia, em particular a partir do biogás”, avalia.
Campos Filho considera que a questão da mudança climática está posta e que há dados científicos suficientes e disponíveis que indicam que a lavoura da cana, em especial das regiões Centro-Sul do país, vai enfrentar eventos climáticos mais intensos e frequentes. “Nesta safra, por exemplo, registramos a queda de mais de 80 milhões de toneladas de açúcar decorrente da maior seca dos últimos 90 anos, bem como de incêndios e de geada. Mesmo que a geada em certas regiões tenha sido um evento isolado, as secas têm sido mais intensas e frequentes e a irrigação se impõe como uma medida de segurança”, diz.
O presidente do Fórum Sucroenergético informa que as grandes usinas sucroalcooleiras da região Centro-Sul já começam a adotar práticas de irrigação e ações mais assertivas para a prevenção e o combate a incêndios. A opção mais utilizada tem sido a modalidade de irrigação de salvamento, que é aplicada no período de rebrota, por meio de sistema de cavaletes e pivôs. Ainda que não seja a mais eficiente no uso da água, essa modalidade apresenta um custo por hectare menor e permite mobilidade na irrigação.
“O sistema de irrigação por gotejamento é mais eficiente, mas ele é fixo e implica em custos bem mais elevados”, compara. Segundo Campos Filho, as usinas que têm optado por essa modalidade normalmente estão em áreas de conflito, onde já se dá uma disputa pelo uso da água com outros setores, seja industrial, animal ou uso humano.
O economista considera, ainda, que este é um momento adequado para investimentos, uma vez que os preços de mercado do etanol e do açúcar estão em patamares elevados. Ele frisa que o valor atual do ATR (Açúcar Total Recuperável) é o maior da história, com valores médios acima de R$ 1,10/Kg. Campos Filho destaca, entretanto, que além da irrigação, há mais alternativas que podem contribuir para garantir a produtividade, como o uso de variedades de cana mais tolerantes à seca e de produtos que auxiliem a produção em momentos mais críticos, a exemplo do maturador e do adubo foliar.
Em Minas Gerais, segundo Campos Filho, que também é presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), a produção média é de 10 toneladas de açúcar por hectare. Alguns produtores, no entanto, chegam a atingir 15 toneladas. “Temos, portanto, muita coisa a evoluir”, diz.
Quanto aos incêndios, Campos Filho destaca que eles ocorrem, na imensa maioria das vezes, por ação humana. A cultura do uso do fogo para a queima da palhada ou para a limpeza do pasto ainda é comum, em especial no caso das pequenas propriedades. E, em períodos de estiagem mais intensos e prolongados, a chance do fogo localizado se tornar um incêndio fora de controle é potencializada.
“Muitas usinas estão ampliando, equipando e intensificando o treinamento das brigadas de combate a incêndio. Mas tão importante quanto isso é o trabalho de conscientização feito junto à comunidade. Em muitas localidades, a economia local gira em torno da usina e perdas graves decorrentes de incêndios têm impacto muito forte em toda sociedade”, explica.
Sustentabilidade
Campos Filho considera que se o Brasil quiser, de fato, atingir as metas de emissão de gases de efeito estufa previstas no Acordo de Paris e na COP 26, terá que atuar contra o desmatamento irregular na região amazônica, particularmente na área de transição para a floresta, que é a mais afetada. “Já temos o Código Florestal que impõe limites rígidos. O que precisamos é da boa vontade dos governos para fiscalizar e inibir essas práticas”, frisa.
Para o presidente da Siamig, desmatar não faz sentido. “Eu rodo muito o Brasil e vejo tantas áreas em Minas Gerais, Bahia, Goiás, Mato Grosso e até em São Paulo que estão subaproveitadas. São áreas que já estão abertas, que já tiveram algum tipo de produção. O que precisamos é usar tecnologia de correção de solo, irrigação, e culturas que se adaptam melhor àquelas regiões”, exemplifica. O presidente do Fórum Sucroalcooleiro também considera que é necessário que o mundo reconheça o valor da floresta em pé e das áreas de reflorestamento como unidades geradoras de créditos de carbono.
Biogás
A produção de biogás nas usinas de açúcar e etanol não é assunto recente, mas voltou ao radar das grandes usinas a partir do RenovaBio e da maior disponibilidade de biodigestores mais eficientes, conta o economista. Ele chama atenção para o fato de que, nos últimos anos, a tecnologia de produção do biogás avançou e o mercado de créditos de descarbonização (CBios) se tornou realidade. “Some-se a isso os investimentos já realizados na infraestrutura das usinas para a distribuição da energia elétrica gerada a partir do bagaço da cana, bem como as crescentes necessidades energéticas do país”, enumera. E adiciona a esta equação, ainda, o bom momento financeiro das usinas e a possibilidade de uma maior redução da pegada de carbono. Todos esses elementos fazem do biogás um negócio que merece a atenção do setor.
Para Campos Filho, o investimento mais pesado para as usinas voltado à produção de biogás está na implantação dos biodigestores. A matéria-prima já existe, ela é composta de vinhaça, à qual é agregada a torta de filtro para aumentar o material particulado e produção de biogás. “A vantagem é que a vinhaça pode continuar a ser utilizada como adubo após a produção do biogás, uma vez que os nutrientes são preservados”, ressalta. E conclui: “O biogás pode ser utilizado diretamente na produção de energia elétrica ou purificado e transformado em biometano (GNV) para uso na frota da própria usina”.
Dados da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás) indicam que o setor sucroalcooleiro é o que possui maior capacidade para a produção de biogás no país, com possibilidade de conversão para gerar mais de 40 mil GWh/ano de energia elétrica, cerca de 8% da atual demanda nacional.
Campos Filho considera que o RenovaBio é o grande radar de investimentos do setor. “O programa delimita uma curva ascendente de emissão de CBios que, para ser atingida nos próximos anos, vai precisar de uma resposta da produção”, defende. Para o economista, esse ciclo demandará novas tecnologias para o aumento da produtividade e para a exploração do biogás. “No começo era apenas a produção de etanol e açúcar, mas com o passar do tempo a bioeletricidade, a partir do bagaço, se tornou uma realidade. Quem sabe não veremos num futuro breve o biogás seguir o mesmo caminho. Eu pessoalmente acredito nisso”.